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segunda-feira, 27 de junho de 2011

ARTIGOS - Os três porquinhos e os ciclos econômicos


Recentemente, meu filho de três anos de idade me mostrou um livro com a história dos três porquinhos, pedindo para que eu a contasse. Na hora, lembrei da piada do físico que disse ao seu filho: “Considere três porquinhos: P1, P2 e P3 e um lobo L, mau por definição...”. Qual seria a versão de um pai economista? Entre tantas histórias possíveis, imaginei uma ilustração da teoria austríaca dos ciclos econômicos, a melhor que dispomos para explicar as principais crises econômicas do passado e do presente. A história dos três porquinhos é de fato bastante adequada para essa tarefa, já que a metáfora mais empregada quando se quer explicar tal teoria envolve justamente a construção de casas, como no conto infantil.
A princípio, porém, recuei horrorizado diante da lembrança de como os socialistas utilizavam (e ainda utilizam) histórias infantis com fundo “social” para realizar lavagem cerebral nas crianças, como na horrível peça Os Saltimbancos na minha infância. Mas, em vez de doutrinar crianças com valores políticos, iremos ilustrar uma teoria abstrata, que só faz sentido para adultos com poder de abstração e senso crítico. Por isso, meu filho ouviu a história original e a versão modificada ficou reservada para os leitores desta coluna. Vejamos então o que ocorreria com os porquinhos nos Alpes.
Era uma vez três porquinhos: Cícero, Heitor e Prático. Cada um deles buscando satisfazer três necessidades: alimentação, música e habitação. Cícero, o flautista, com maior taxa de preferência temporal, planeja construir uma casa simples de palha em um mês, já que pretende “levar a vida na flauta”. Heitor, embora também valorize seu violino, prefere sacrificar um pouco mais de tempo para construir uma casa de madeira em 6 meses. Prático, cansado de martelar seu piano, não se importa de esperar para ter uma casa mais sólida, de alvenaria, que ficaria pronta em um ano. Todos os três estocavam alimentos para que pudessem investir seu tempo na construção.
O lobo mau, com problemas respiratórios que o impediam de soprar, se lembrou do conselho de Lenin sobre a melhor forma de desorganizar um sistema econômico e imaginou um meio mais sutil de apreciar bacon no seu café da manhã: criou um banco central, do qual se tornou presidente. Iniciou assim uma agressiva política de expansão de crédito na economia, reduzindo substancialmente os juros. Isso fez com que os três porquinhos ficassem muito satisfeitos com o lobo: sob sua administração, aumentou sobremaneira a prosperidade e todos alteraram seus planos para casas melhores e maiores, de tijolos, já que sobrava dinheiro para comprarem mais alimentos durante a construção.
No início, tudo parecia bem: existiam bens em quantidade suficiente para a construção da fundação das casas. Com o passar do tempo, porém, as firmas, que com os juros menores investiam em fabricas mais produtivas de tijolos, que ficariam prontas em dois anos, não deram conta de ofertar tijolos no presente para os três porquinhos. Os funcionários dessas fábricas, por outro lado, passaram a demandar os alimentos que os porcos pretendiam utilizar durante a construção.
Cícero, enquanto dormia em uma tenda de pano improvisada, situada em cima das sólidas fundações de sua nova casa, recebeu a visita inesperada do lobo, que o devorou sem resistência e sem que ninguém o visse. Heitor e Prático, alarmados com a situação, discutiam as alternativas. Prático tinha uma sugestão:
- Tudo isso foi uma ilusão! Nossas casas não são viáveis: seu valor real é muito menor e teremos prejuízo com essa empreitada. Tudo o que podemos fazer é alterar nossos planos, de forma a aproveitarmos a fração dos bens de capital da casa de Cícero que ainda possam ser usados, abandonar uma das obras e morarmos juntos em uma das casas, que terá que ser mais modesta do que planejávamos. Teremos assim uma recuperação rápida da economia e poderemos após isso retomar nossos projetos, mas sem viver além dos nossos recursos.
Heitor, por outro lado, tinha lido muito as colunas de economistas famosos em jornais importantes. Disse então:
- Que ridícula essa sua teoria da ressaca! Capital é heterogêneo? Não existe escassez, esse preconceito liberal. Onde está o seu espírito animal?! O Grande Lobo deve compensar esse seu pessimismo irracional com criação de moeda e o governo deve gastar mais, para estimular a demanda.
- Mas tudo que tivemos nos últimos anos foram gastos enormes e um dilúvio monetário, sem os efeitos desejados, replicou Prático.
- Isso porque não foram em volume suficiente! Concluiu Heitor.
Por outro lado, a simples menção à necessidade de parar de gastar e emitir aparentemente tem o efeito retórico de ser considerada equivalente a testar essa alternativa e concluir que fracassou. Além disso, como conceitos como preços relativos e capital heterogêneo poderiam ser importantes no mundo real se não podem ser facilmente medidos através de conceitos agregados? Decidiu-se, assim, intensificar os gastos e a expansão de crédito. Para o Lobo Mau, tudo isso soava como música aos seus ouvidos...
Heitor e Prático, renovados pelo otimismo, retomaram seus projetos. Não será necessária uma reestruturação dos preços: suas casas valem, afinal, tudo aquilo mesmo! Planejam assim um segundo andar para suas residências. Crédito não faltava para os projetos. De qualquer modo, se não quisessem morar em casas tão grandes, essas nunca desvalorizariam: sempre seria possível vender depois a um preço maior e comprar outra mais adequada com o lucro assim obtido. Além, disso, elas estarão exatamente em frente do Monumento ao Cícero, erguido pelo governo por sugestão do Lobo Mau, como parte do pacote de estímulos à economia.
Alguns meses depois, Heitor, dedilhando seu violino, descansava entre as colunas coríntias de seu futuro palácio, esperando a entrega de um novo carregamento de materiais de construção que nunca chegava. Embalado pelos sonhos de valorização de seu projeto que não avançava, foi devorado pelo Lobo Mau. Esse foi o estopim para o pânico que se seguiu.
A maioria dos porcos, contudo, continuou a acreditar que escassez de recursos é uma ilusão e que o investimento depende apenas de fatores psicológicos. Como os mercados são irracionais! O Lobo Mau, percebendo que o fracasso das intervenções estatais gera, paradoxalmente, mais demanda pelas mesmas intervenções, novamente mudou de tática e se candidatou a presidente. Com isso, pode viver à custa dos porcos sem esforço algum.
Prático, empobrecido com o fracasso de seu empreendimento, mora agora em uma casa de palha, dependendo de programas governamentais. Além de perder seus bens materiais (vendeu o piano para pagar o tratamento médico), sofreu uma perda mais trágica: sua independência. Todo dia ele agradecia o pouco que tinha ao grande Lobo Mau, acreditando que sem ele não teria nada. Ao mesmo tempo, alegremente entregava todo ano ao lobo um dos dois porquinhos de sua cria anual, como tributo.
*Fabio Barbieri, mestre e doutor pela Universidade de São Paulo, é atualmente professor da USP na FEA de Ribeirão Preto.

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